rituais

Definitivamente, as coisas não estão bem quando, pela segunda vez, tenho de interromper o meu discurso para me desculpar diante dos clientes e da noviça pelo marasmo do meu tino. Dou por finda a manhã. Faço listas mentais com a palavra morte. Assim, evoco Annie Hall e a cena dos livros com a palavra morte no título; esqueço a palavra morte por instantes para me lembrar da história que Woody Allen conta no final: this guy goes to a psychiatrist and says, "Doc, uh, my brother's crazy; he thinks he's a chicken." And the doctor says, "Well, why don't you turn him in?" The guy says, "I would, but I need the eggs." Well, I guess that's pretty much now how I feel about relationships; y'know, they're totally irrational, and crazy, and absurd, and... but, uh, I guess we keep goin' through it because, uh, most of us... need the eggs. Entretanto já estou a entrar no refeitório.
Hoje tenho boa fortuna, encontro o meu canto livre. A sorte impera até ao final da refeição, ninguém veio sentar-se à minha beira. Poupei-me em socialização, porém a barreira ideológica que demarquei não me pareceu ser totalmente eficiente, pois de cada vez que me distraí e levantei o olhar cruzei-me com alguém que me acenou a cabeça sorrindo. Suspeito que o meu silêncio estivesse demasiado espalhafatoso. Damn. Caminhei de volta ao cubículo em marcha de caminhada fantasiando uma corrida. Não fumei.
Eu sei o que é que se passa. Sinto que cheguei à recta final. A uma recta final. Estou diferente. Atenção, não é todos os dias que percebemos mudanças em nós próprios ou nos outros. Estais a ler uma confissão de grande monta. Acabo de declarar o início de uma nova era. Uma era que começou faz algum tempo, mas da qual ainda não havia apontamento oficial por a sua instalação, até à data, não ser inteiramente certa. Assim seja dito: estou diferente, mudei, já não sou a mesma.
Tenho de chorar qualquer coisa que ficou para trás, e tem de ser hoje.
Tem de ser hoje.
Para amanhã planeio descansar a cabeça deste speed de canções ao sabor da estranha ideia de liberdade. E um gin.


6 comentários:

carlos veríssimo disse...

alongam-se e alargam-se as raizes

Anónimo disse...

essa forte urgência de chorar,
sei-a bem.

ana c. disse...

e um gin.
e alguém se sentará a essa mesa.
posso?

ND disse...

"não é todos os dias que percebemos mudanças em nós próprios ou nos outros"

pois não, rapariga bonita, pois não.
talvez por ser um processo gradual, quando lá estamos já nos habituamos, mas por vezes em determinado momento - assim como que uma paragem - conseguimos reconhecer a mudança.
Gosto desses momentos ainda que não goste da mudança :-)

blue disse...

nada como a liberddade, um gin e uma música de arrepiar a alma para celebrar uma mudança!

Menina Limão disse...

e tens mesmo de chorar o que ficou para trás? ou melhor: tem-se sempre de chorar o que ficou para trás?




Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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