(sobre o silêncio)

Entre o silêncio e o crepitar do lume, deixei o livro de lado. Acabo um capítulo. Silencio-me. Só dou conta disso cerca de uma hora depois. Entretanto, dedico-me a cozinhar, preparo arroz de polvo. Penso no mar que vi de manhã, relembro o que senti. Tento recordar a estranha cor do mar desta manhã. Luto uma vez mais com o vento. Acabo de colocar primorosamente cada cacaréu na mesa. O almoço está pronto.
A refeição celebra-se na quase total mudez. Com interrupção para o cumprimento à cozinheira – Está delicioso, como sempre.
Raramente tenho azar na cozinha. Talvez o motivo resida no amor - prazer – com que me sereno frente ao fogão. Aprecio cada momento. Tudo realizado com tonalidades de ritual. Foi sempre assim. Fui sempre assim. Cozinho com a boca e com os olhos. Sou calculista relativamente a cada componente da refeição. Aquisição dos ingredientes, confecção, cerimónia de serviço. Talvez a tarefa que execute com maior primor. Nunca estudei ou trabalhei com tanto preceito quanto o faço em tarefas relativas à cozinha.
Tomo café e fumo o cigarro para dentro da lareira.
Estes dias são… Estes dias são… Não consigo. Não o consigo pronunciar.

Há expressões cuja vida se completa no silêncio.




Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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