Falar estrangeiro

Quem nunca viveu um momento de alívio, o instante do suspiro desembaraçado do desassossego? uff! Maravilha. O âmago a sentir-se de novo emergido.

Ontem publiquei um poema que passa a ser de antologia. Da minha antologia. Deparei-me com a angústia e quase com a deseperança. Todos temos dias maus, mesmo maus, pois claro. Porém, posso considerar-me muito privilegiada. Dos inúmeros confrontos e discordâncias com que me deparo no dia a dia, estou entre pessoas que sabem estar neste mundo que acima de tudo é feito de diferenças, que sabem chegar a consenso, à zona de funcionalidade dentro da discórdia. Como nada é perfeito, de vez em quando aparecem uns ranhosos que são a excepção à regra. Lá fica a menina margarete desprotegida dos espíritos conflituosos. Zás. Toca a exercitar outras zonas do cérebro.
Em determinadas alturas, pode tornar-se incomportável ser-se eficaz num sentido literal. Acontecem, então, pendências que me deixam num estado de urgência para avançar. Sabendo um pouco sobre o meu funcionamento e da eventualidade de efeitos perversos resultantes das situações, torna-se imperioso arranjar exercícios para conseguir lidar com as consequências do facto.

Falo de quê?
Facto: o indivíduo não conseguir ser reflectido o suficiente para assumir que se discorda em determinado assunto.
Consequência: 1) perder rumo do assunto propriamente dito; 2) perder o respeito pelo interlocutor.
Memória do desrespeito: não incide na frustração por identificar que não se consegue ultrapassar o "facto discordância" mas nos actos consequentes da mesma. O indivíduo não-reflectido deixa-se levar pela frustração e recorre ao dano do outro.
(nota - o dano pode ser infligido através de actos completamente alheios à discordância em si, é a regra do "tudo vale para libertar a minha fúria". Assim, o outro ser, que não sabe viver de fel, procura proteger-se.)
Necessidade: protecção da sanidade mental.

Inventei para mim um exercício mental de comunicação selectiva para emergências. Chamo-lhe "Falar Estrangeiro" ou Afasia de Wernicke. É simples. Não anula o facto, mas ajuda a lidar no imediato com a memória do desrespeito. Na afasia de Wernicke, o indivíduo, não obstante as suas dificuldades de compreensão de linguagem e ininteligibilidade de discurso, é fluente. Ou seja, não se percebe o que diz, mas até parece estar a dizer coisas que lhe fazem sentido, como se falasse uma língua estrangeira desconhecida ao seu interlocutor. Um discurso que se pode dizer ser uma algarviada pegada, cheio de neologismos curiosos.
Portanto, é simples. Pensa-se no interlocutor como se fora um incapacitado da Linguagem e não da Cognição. É um exercício feio, é certo, mas é o que há. Não temos tempo para digerir tudo. Há muito para fazer. Há muita coisa a acontecer. Num instantinho, esqueço a pretensão de conseguir mostrar a um adulto que a sua atitude foi merdosa. A verdade é que não acredito que haja vitória numa troca de piropos bota-abaixo que possa superar a minha tranquilidade.

Se se deram ao trabalho de ler este longo post, se houve engano nas minhas palavras iniciais que possam ter levado a que esperassem que eu descrevesse uma estratégia magnífica... azarinho :) imagino que tenham as vossas e até reconheço que esta seja um bocado tonta e rebuscada, usei palavrões (p.ex. "respeito") e recorri a clichés, é assim mesmo. Este é um blog pessoal. É apenas um pouco de mim. Sejam bem vindos.

Tudo vai correr bem e cá estamos para o que der e vier. Bom dia, minha gente.
(deixo-vos com fotos da minha antologia)


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Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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