(o dito)

FAZ FALTA SER CEGO

Faz falta ser cego,
ter como metidas nos olhos raspaduras de vidros,
cal viva,
areia a ferver,
para não ver a luz que salta em nossos actos,
que ilumina por dentro a nossa língua,
a nossa palavra quotidiana.

Faz falta querer morrer sem lápide de glória e alegria,
sem participação nos hinos futuros,
sem lembrança nos homens que julguem o passado sombrio da Terra.

Faz falta querer já na vida ser passado,
obstáculo sangrento,
coisa morta, esquecimento seco.


Rafael Alberti, in " Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea" assírio & alvim, 1985
trad. José Bento

poema surripiado ao Miguel n'O café dos Loucos


...com este poema fica o dito do que hoje rebola cá dentro, o resto da energia fica no direito inalienável a desprezar a ira e frustração alheias, por mim, para mim, pela minha sanidade; um suspiro, um desabafo neste belíssimo poema que fica marcado como "de Antologia".

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei mesmo muito deste poema.

margarete disse...

imagino-te a gostar muito dele, faz todo o sentido
... e gosto do sentido que faz tu a gostares do poema :)***




Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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