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Hoje não leio mais



É sempre assim, volto atrás.
Penso-me já preparada para recolher e regresso.

À hora de almoço roguei uma praga, disse-me para dentro: se alguém pedir licença para sentar a meu lado, vai ouvir as verdades.
Assim aconteceu. Não que seja vulgar alguém sentar-se a meu lado, mas não, não é comum. Não fora eu tão distraída entre o início e o final do almoço no refeitório e poderia pensar ser non grata. Adiante.
Aconteceu então alguém pedir licença e aconteceu eu não a recusar. A início hesitei dizer-lhe as verdades, hoje calhou-me uma colega das que gosto. Para não perder coragem disse de rajada “não está certo, eu não deveria estar aqui”. Não está certo. A colega, indulgente, acenou e ainda acrescentou que sabe. Pasmei do desplante. Não perdi tempo a falar-lhe dos socos nem disse “isto não deveria ter sido assim” nem rematei com a questão “quem se julgou no direito?”. Tudo inútil. Acabei o almoço sem comer a fruta (laranja) que coloquei no saquinho de papel dos talheres e trouxe no bolso. Fiz com que o resto da tarde corresse. Despeguei e fui para a paragem. Apanhei um autocarro de número diferente do habitual, o que significa que fiz um percurso diferente do habitual. (para quem não saiba)
Nunca leio nos transportes, nunca leio na rua. Observo. Paro, não leio. Saquei o livro após pedir licença para me sentar ao lado daquela senhora. Li isto no autocarro:


Era mais forte e venceu.
«Sabes, meu rapaz, os fortes
ganham, vencem, ficam
com mais», sabes, ontem
pôs-se o sol, ambos-os-dois

ficámos a tentar que corresse
bem o sexo útil. Pode ser
aqui ou nas selvas, junto
do mar, nada tens que recear.
Não é sempre novo o corpo

que te toca e, se pesado
e distante, ama-se a ele tanto
como se próximo e leve.
A alma? Fica na serra,
que vá o corpo atrás dela.

Tiro da erva o sabor,
plantada no meu jardim
e trato bem dos meus cães
qual criador de cães. O amor?
Está sempre em guerra.


Helder Moura Pereira in amor carnalis
ed frenesi, 1998

Encerrei o livro que não arrumei, segurei-o com suor. Estava calor. Não li, no transporte, na rua, observei, parei, mas não li mais.

Repito três vezes: Hoje não leio mais; Hoje não leio mais; Hoje não leio mais («Sei muito bem, disse ele, que me não podes auxiliar em nada, mas abro-me contigo porque para os falhados e inúteis da minha espécie, a salvação está em desabafar. Sou obrigado a procurar uma explicação e uma justificação da minha vida absurda, nas teorias de outrem, num tipo literário, na ideia de que nós (...) degeneramos...») [Tchékhov (Duelo), Miss Allen n'O regabofe].

Recolho(me).


estrada secundária

poemas do dia ~ 1 ~ 2

:)

(re)começar o dia

(...as repetições)
uso outro poema que resgato para a minha antologia

saúdo o sol
algures
encho-me de fluxos, deste bafo (não desabafo), procuro o nó, releio escritos de outrora pois, a estes dias, não escrevo


~

[ evidência ]

Jamais soube o que é estar de pé
em equilíbrio inventei estes modos

Não aguento
um esgar, não aguento encarnações
de dor sou uma fraca que engendrou
a religião da outra face cedo ouvi a lenda

ficou impregnada


Que hei-de fazer a este jeito que choro
até ao afinco do ardor

Que hei-de fazer a este jeito

Eu escrevo
Largo o temor das mãos
continuo sem saber
Este jeito há-de ser
o meu fim

Como podereis constatar gaguejo.

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photo de c


dedicado...
a mim e aos colos insuflados
à Marta, por escrever:

antes desata os nervos,
a inspiração
no arremesso das palavras.

(o dito)

FAZ FALTA SER CEGO

Faz falta ser cego,
ter como metidas nos olhos raspaduras de vidros,
cal viva,
areia a ferver,
para não ver a luz que salta em nossos actos,
que ilumina por dentro a nossa língua,
a nossa palavra quotidiana.

Faz falta querer morrer sem lápide de glória e alegria,
sem participação nos hinos futuros,
sem lembrança nos homens que julguem o passado sombrio da Terra.

Faz falta querer já na vida ser passado,
obstáculo sangrento,
coisa morta, esquecimento seco.


Rafael Alberti, in " Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea" assírio & alvim, 1985
trad. José Bento

poema surripiado ao Miguel n'O café dos Loucos


...com este poema fica o dito do que hoje rebola cá dentro, o resto da energia fica no direito inalienável a desprezar a ira e frustração alheias, por mim, para mim, pela minha sanidade; um suspiro, um desabafo neste belíssimo poema que fica marcado como "de Antologia".

(o eterno poema para esta manhã)

Memória dos Dias

Vais e vens na memória dos dias
onde o amor
cerciu a casa de luz matutina.
Às vezes sabíamos de ti pelo aroma
das glicínias escorrendo no muro,
outras pelo rumor do verão rente
ao oiro velho dos plátanos.
Vais e vens. E quando regressas
é o teu cão o primeiro a sabê-lo.
Ao ouvi-lo latir, sabíamos que contigo
também o amor chegara a casa.

Eugénio de Andrade

(segredo maior)

Desde que a madrugada vem
fico com o fôlego suspenso
a meio de ti.

Não há por agora
segredo maior do que este,
nenhum outro mistério
onde eu tenha lugar.


surripiado à Marta
um roubo para fazer uma oferta ao meu pai e à minha mãe

[ msg a uma alma caridosa que passe por aqui ]

(hoje ainda não li um poema para ter comigo)

http://www.democracycellproject.net/blog/archives/humpty_dumpty%5B1%5D.jpg

(os espelhos donde as almas partiram)

entre a saliva e os sonhos há sempre
uma ferida de que não conseguimos
regressar

e uma noite a vida
começa a doer muito
e os espelhos donde as almas partiram
agarram-nos pelos ombros e murmuram
como são terríveis os olhos do amor
quando acordam vazios

Alice Vieira


(resultado de mais um assalto à lebre)

a lebre e a poesia a sairem da cartola




é favor ir até à pág. 49 da revista Actual, Entre Vírgulas por Manuel de Freitas, da qual destaco «intimismo áspero de Maria Sousa, autora destes versos saudavelmente displicentes: «Depois de te dizer que a melancolia já não se usa/ fumo um cigarro e invento um abandono» (pág. 72).»


a ler mais no criatura




parabéns! :)***

Les Uns et les Autres

no sábado vi o documentário na televisão
o rosto dos soldados que interrogaram homens
no Iraque no Afeganistão
o ar crispado de quem não era suposto ser julgado e passar uns tempos na prisão
olhei o Mal o cinismo a ignorância a ignomínia as botas cardadas
a pele exposta sem outro camuflado que não o do medo
as discussões abstractas infames dos generais dos secretários de estado
o gozo primário dos raciocínios do presidente os esgares
aprendi sobre a humanidade de dormir quatro horas ou apenas duas
preso pelos pulsos ser espancado até ao homicídio à exaustão
perguntei-me se dessa morte lenta já terão padecido em número suficiente
olho por olho dente por dente mortos para saciar os profetas do medo
as vozes do apocalise os senhores de todas as guerras
os que hesitaram na resposta à pergunta se seria legítimo
pontapear os testículos do filho de um homem
a quem se quer extorquir uma qualquer informação
será que já são tantos quantos os que arderam nas torres gémeas
tantos quantos os que morrem pelas ruas de Bagdad
tantos quantos os rockets sobre as praias de Israel e de Gaza
será que já chegam será que não
será que serei capaz de me levantar da náusea que me asfixia
lavar-me do nojo
será que serei capaz de descobrir a cara
de remover este véu de vergonha
será que não.

Blue aka Cláudia Santos Silva


fotograma de Les Uns et les Autres
momento em que se anuncia o início da 2ªGuerra Mundial

manda embora os dias, por favor

[ quando o mar és tu. Apenas tu. ]

A música devolve-te
neste modo de respirar,
quando canto,
quando não te alcanço os lábios.

O silêncio arrecada-me
neste modo de respirar,
quando nado,
quando o mar és tu. Apenas tu.

Recado

O silêncio arrecada-me assim,
quando sem que saibas
a maré me devolve a ti
e tudo recomeça nos teus braços.

[ na delonga da devolução ]

Ardem no sal os meus membros
enquanto a devolução espera
o prazo dos sujeitos desalmados
manda embora os dias, por favor

quero nadar sem dor
quando nado
quando o mar és tu. Apenas tu.

Post-Scriptum

Se não vieres
manda embora os dias, por favor
rasga as águas.

Photobucket
sem título, Carlos Veríssimo

sequência de desgarrada entre mim e a Marta (se quiserem saber quem escreveu o quê, está ali)

botânica

Durante 1 ano, mais coisa menos coisa, escrevi textos que se assemelham a poemas. Devo dizer que penso que não eram más imitações, fingiam bastante bem. E digo mais: muitos leigos podem ter acreditado que estavam a ler poemas. Cada qual tem aquilo que merece. Não é difícil escrever uma imitação de poema. Houve vezes em que senti aproximações de calafrio. Não sou insensível como uma besta embora pese que na grande maioria das horas sou insensível q.b.. Dizia sobre os calafrios que por vezes senti, enfim não se pode dizer que me envergonho, mas também não me orgulho. Sem mais rodeios, confesso que houve dias em que senti desconcerto por estar a usar palavras, digamos… nobres, em imitações de poemas. Está dito. Agradeço que não vá alguém incorrer no erro de pensar que esta confissão seja uma declaração de sensibilidade ou, pior, de respeito. Adiante.
Engendrei uma fórmula, que jamais tornarei pública, para que me caiam as mãos e queimem os olhos se eu voltar a usar as palavras sono cozinha tremocilha pássaro pele fome cerejeira magnólia amendoeira palavra tu verde água pão mãe corda terra filho filha filhas filhos silêncio pomar corda mãos útero cama raiz árvore árvore árvore em imitações de poemas.
Eu tinha obrigação de não ludibriar as pessoas. Atenção, não é uma obrigação qualquer, é obrigação profissional. Fui treinada em Linguagem. E ficam a saber que frequentei uma escola prestigiada. Ah pois!
Imagino o que diriam alguns dos meus professores se soubessem desta vida dupla que levo com as palavras. Tenho saudades deles. Já agora, aproveito este momento para dizer que nunca concordei com a troça que faziam da professora E. nas aulas de Linguística. Sempre me deliciei à volta das árvores de palavras que ela desenhava no quadro.

Repare-se na expressão: .á r v o r e. .de. .p a l a v r a s.. Notável. Absolutamente notável.

Rigor: Uma pessoa que se comova com árvores de palavras deve ter mais acatamento.

Photobucket

Árvore de outono com brincos de princesa
de Egon Schiele
1909

[ mãos e pele, corpo, corpos, gentes.]

És de novo uma fonte
Em tuas veias ouve
Quem não foste.

in Música de Cama, antologia de poesia erótica, de David Mourão-Ferreira
Editorial Presença, 1994



# Lisboa, 2007Nov Z




. . .



Vou lá de vez em quando, através dos links da amig’Alice.

Fica-se por lá, presa nas mãos e na pele, no corpo, nos corpos, nas gentes.

Vá-se lá saber porque é que ainda não me tinha dado ao trabalho de o linkar na coluna aqui ao lado… nem é tarde, nem é cedo, aproveito esta espécie de comemoração de hoje… zás, já está.






Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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