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coração via esófago

Estas são as três actividades que se seguem (por ordem) escrever, fumar, almoçar, fumar (quatro). Acabo de encomendar "entre o vivo, o não-vivo e o morto" (por falar nisso, não me posso esquecer de ir aos correios - HOJE, sem falta). Estou siderada com a capa do nº2. Repito até acertar “entre o vivo, o não-vivo e o morto”, tenho insistido no erro: “entre o vivo, o vivo e o não-morto”. O erro comum, cansativo. Tudo é cansativo. Hei-de acertar mas não sei como, falta-me perseverança. Nada é mais importante. Nada é mais importante que nada. Trivialidades e ignorâncias atropelam-me o pensamento cheio de esgana. Construo frases paralelas à minha agenda e fico impávida. Nada disto, digo.
Digo e procuro não repetir. Escoo todas as coisas que não vi e amontoo-as. (rimei, sem querer; não sei porque me justifico) (sei) Penso nas palavras e nas aulas de Linguística mas num instante vêm outras recordações desses dias. Distraio-me das aulas de Linguística e da localização do lugar que eu ocupava naquela sala com vista para as árvores. Nos dias de sol eu pensava na improficuidade. Palavra estranha que faz jus ao seu significado. A fluência. E o ritmo?
Im pro fi cu i da de. Cansativo. Prefiro buscar outras situações: plataforma, limbo, fio. Apenas exemplos, é claro.
Certamente ando distraída. Contemplei a palavra Morto excessivamente. Agora não me desembaraço de nada e sei que chega o fim. Preciso de fazer declarações. Lembro coisas pequenas: cortar o cabelo, mudar de casa, desempregar-me, despachar-me para alto mar, criar outro blog.
Nome disponível: coração via esófago.

[ rascunho do que gostaria de (d)escrever ]

Sei que, por estes dias, ainda me falta ler Camões com atenção. Sei disso. Ando sempre de volta do saber. Ando sempre de volta das secreções. (É tão natural quanto eu e os cadáveres. Natural.) As minhas (secreções) são tácitas, existem mas não as vejo, não lhes sinto a mucosidade. As outras existem, vejo-as, sinto-as, pego-lhes com a mão direita, assim. Para que seja pontual, restam-me 13 minutos. Resta-me pouco tempo pelo que repito “um pouco de calma, alguma poesia”. Já sei qual é a minha missão para evitar desistir já. Não é fácil, e eu que sempre gostei do fácil... E eu que nunca fiz apanágio de me mostrar mestre de dificuldades... Para que fui inventar esta vida? Ando de roda das tabelas com nomes que transformei em números para ciência. Confundo tudo. Prevejo o mal da minha essência e atiro-me nos braços dos que me aturam. Deixo-me pensar o pior de mim e não sei aceitar.

Não deveríamos fazer isto uns aos outros. Depois, num instante tão rápido quanto um instante consegue ser, percebo tudo de novo. São cansativos estes abandonos, cada vez mais se torna delicado o retorno. Sinto as pálpebras vermelhas vivas. Sei o cabelo parco. As peles estão próximas das de uma mulher de avental preto e avantajado. Lembro a alegoria da peixeira e retorno. Se eu fora peixeira, desesperaria com a mesma intensidade à insatisfação que congemino dos meus clientes e colocaria em causa as motivações para me distinguirem * como sua fornecedora. É certo. Olha, estão aqui, assentes no chão, os meus pés. E a minha mão direita, com que limpo secreções. Ainda me restam 5 minutos. Declaro este texto “rascunho do que gostaria de (d)escrever”. Dedico-o ao c, à Truta e à Marta. Restam agora 4 minutos, já piquei o dedo.

introdução/desenvolvimeto/conclusão

Quantas vezes atormentaste um espírito alheio?
Quantas?

Quantas vezes deixaste que a tua lucidez se tolhesse da irrazão do outro?

Acaso olhaste para o lado?
Viste, olhaste?
Certamente sabes do teu efeito perverso.

Os apertos do peito são assim. Estreitos apertados.
Jamais entenderás o fenómeno, não é? É.

Um dia, e muitos outros dias soubeste. Falta saber àquele que é tolhido que a ti apenas choca a violência. Tu sabes como fazê-la. Mas não fazes e dizes “fim”.

(Despacho lento e longínquo)

(Assim passaram as luas)
Gemi da verdade praticável
disse-te “reza”


Com a pele oca
feres-te

todavia não podes padecer
a tua dor
ainda não tem sangue

e demora.



.

[ da lei de Murphy (metástases e rostos gelados) ]


Lembrei-me que existi antes
disto tudo. Perdi o tacto
dos tempos em que não lidava
com o padecimento nas mãos

nos olhos e no pescoço. Na palavra
dor colocamos tamanhos sobressaltos
e desalentos. Tantas vezes enredados
na lufa-lufa das paredes brancas
passamos a existir como se esta fora
a primeira vida. Os dias galgam-nos
violentamente e já estamos enredados.
Poucas vezes acordamos para a investida.


Perdemos as outras verdades.
Hoje não há poemas em mim. Hoje
há tábuas duras a raspar-me
a genica para dentro do poço.
Há uma súplica.
Não me posso confessar.
Encontro-me numa estrema circular.
Receio tombar. A diferença
entre um poema e um rosto
gelado é o meu abismo. E eu
fico aqui parada como se pudera
parar. Talvez eu nunca tenha
existido antes da dor. Digo
lenga-lengas que escondo
nesta coisa de proporção infernal.
Sem fugir das perguntas,
mudo-me na verdade. Hoje
é o dia seguinte
e volto a existir. Engasgo
esta fraqueza com músculos duros
e ponho um pé à frente
do outro pé nesta sequência
descuidadamente atenta. Distrair
a mente é o recurso após a escrita
desta mágoa.

Saio destas palavras
e vou ao encontro imediato
da íntima distracção
num fôlego.

Mudar de vida! *

A vida pode mudar no decorrer dos dias em que os corações ficam presos nas imprecisões da desilusão. Hoje é Domingo, Outubro já se foi. Deixei-o esvoaçar porque outras urgências se impuseram. Enredei-me nestes dias que agora se agarram ao projecto em que se acredita.
Acreditar é a grande lição, disse-me um dia o meu amor. Repito as suas palavras na casa vazia e comovo-me. Não são tantas as horas para o seu regresso, enquanto espero, repito-o. Repito a esta hora palavras dos corações e comovo-me.
Cheguei aqui e não estou ilesa. Carrego a lista de empreitadas de vanguarda cujo peso procuro ignorar. Faço. Adianto. Sigo. Repetindo os corações a sentir o meu pensar.
Enquanto as canções passam lições, hoje é Domingo e deixo passar o Choupal e o Alentejo ao meu lado. Tem de ser, outros dias haverá para o regresso. Preciso de afirmar que jamais compreenderei este fenómeno. Faz sentido, é evidente que compreendo, mas não compreendo. Repito com força o que recebi no concerto de Sexta-feira: Mudar de vida! Confirmo o empreendimento leal para com os meus parceiros, alcançando o sentido desta seita com quem me envolvi. E regresso às minhas coisas.
Não saberia estar de outra forma que não fosse a desta gratidão: chá de jasmim, um gato, o trabalho desarrumado na mesa, Domingo, a saudade do petiz que também é meu, Zé Mário Branco, Al Berto e Herberto, tu e o regresso dele. A presença e a ausência sem a atroz delinquência do abandono.
Regresso às questões que ficarão sempre por responder. Estou sou eu, como sempre. Confusa e esclarecida. Cá vou andando com os mesmos temas de sempre. Como todos nós, andando aos círculos inexactos. Confirmo as lições a cada vez que digo: gosto de ti. É assim que mudo de vida.

Photobucket
father & son at the museum
Centro de Artes de Sines - Outubro, 2008


* José Mário Branco

o vento, a faca, o fogo, a voz e a violência

Depois fui embora e carreguei o pensamento de dureza. Mastiguei todas as ausências de habilidade que engoli. Estou agora em processo de digestão, é por isso que me falta a voz. (Por me faltar a voz, mas restarem as locuções sou bendita.)
Estas palavras que me atravessam são violentas e destroem primeiros pedaços. São pedaços antigos pelo que estalam porém ficam presos na garganta como se não fossem água.
Ah, se eu soubesse… Repito “Ah, se eu soubesse…” e torno-me numa feliz desconhecida de tudo o que pudesse ter sido projectado acerca destes dias. É a fúria com que assinalo na agenda a lista de compras que rebenta comigo, a feliz desconhecida. A faca não corta o fogo. A faca não corta o fogo. A faca não corta o fogo.* Esta voz que me atravessa.**
E assim vou, inédita, a violentar o resto destas forças com palavras que não sei fazer entender, mas sei serem iminentes.
Ah…

[T09203B002535.jpg]

František Drtikol
surripiado ao Manel

*
**

H0

Das hipóteses formuladas surgiu o erro. Surge sempre um erro tardio na ciência. Todos sabemos disto. Percorri cada item com um cuidado que ultrapassou a reflexão. Agora continuo na frente daquilo em que creio hoje. Tenho as pastas cheias de nomes que transformei em números. Penso nos clichés que o homem disse ontem à tarde e sublinho a pertinência da minha irritação. Quem disse que arte e ciência são sentenças distintas? (nota: a pergunta formulada previamente é, ela própria, um cliché)



Percorro as tabelas e rio louca. Sou muda, a irritação esvai-se rapidamente.
Dentro de cada célula existe espaço suficiente para os erros do Homem. A chalaça está no engano dos números. Gente crescida deveria saber isto na ponta da língua.
Acaso amanhã receba o convite para a discussão do estado da arte denunciarei a minha ausência. O meu Outono é mais importante.



Hoje revezo a minha arte com a minha ausência. Uma ausência em confiança.
É nisto que creio hoje. Firme, sinto o primeiro frio e perpasso memórias como me convêm. Afinal, sinto tudo. É assim mais importante dizer adeus enquanto ainda há tempo. Deixando para trás as persuasões.
Podeis verificar, como acima demonstrado, que é fácil engendrar textos que nos tragam de volta o início da manhã. Também escrevo. Posso fazer mistura de todas as imagens que sonho e dizer adeus. E voltar a cada desejo.

miscelânea de pessoas [ a iniciar mais uma semana (de trabalho)] [ para iniciar mais uma semana ] parte II


Imagino que a voz e a fala sejam mais do que olhos articulados. Uma vez entrei num hospital. Embora tenha tido o cuidado de avançar o pé direito em primeiro lugar, tive azar. Perdi de imediato o olfacto. À ausência de olfacto chama-se anosmia. Sei-o porque percorri dicionários à procura de significados.
Dentro do hospital em que entrei ouvi um pai falar de armas e de tiros na cabeça. Fui muito cuidadosa no silêncio, saí de lá não-ilesa. Jurei e nunca mais pus pé num hospital. Hoje continuo a morrer como sempre. Há dias soltei esta frase com fala entre sonos “A distância não tem cura”. Será uma afirmação perigosa?

Os manuais ainda não me explicaram a afecção da fala e da voz por ausência de articulação dos olhos. Faltam-me palavras-chave. Faltam-me os olhos e a articulação. Tenho voz e tenho fala, no entanto mantenho intacta a capacidade de paladar. Oiço. Resta saber do tacto, pois a última pele que toquei foi a da minha mãe.

outro ser

Talvez não queiramos voar. Não diria que haja o desejo de se ser pequenino, maneirinho. A pele faltar-nos-ia, imagino. (Como seria o processamento sensorial da penugem? Seremos tão, ou tão pouco, frágeis que nos escapem pássaros das mãos?) Em situação interina de prostração o corpo sobra. O peso é a indelicadeza major aquando do esmorecimento de se ser. Reconheçamos: o indesejo reside no voo. Depois… Começamos por inventar palavras a substituir a imobilidade terrena e, num ápice, encontramo-nos graves de gravidade. A automatização instala-se, sugando a cumplicidade enquanto nos fornece tempo. (tempo escusado, pois o que procuramos tem-nos acompanhado desde se ser ser) Ando cada vez mais certa de poder fazer um resumo. Repare-se: mar, árvore, pássaro, assobio.

Helena Almeida, Voar (in 4 parts)
Helena Almeida
Voar (in 4 parts), 2001



mais sobre assobios... Alex, Little Black Spot e Pedro

sobre adjectivos secretos de maioridade

Procedemos à avaliação vocal e de seguida não completámos um relatório.
Não podemos perder tempo. O tempo será inútil - pensamos ser esse o derradeiro epílogo. De que servirá um relato em nada literário? Para que comparações serviria ocupar espaço na marcação de frequências e harmónicos?
Comparar será talvez a actividade mais falaciosa. Por exemplo, a comparação de calibres humanos. Se facilmente se percebe o erro nas hipóteses de comparação do mesmo ser entre si próprio (transversalmente falando), de onde surge a comparação entre seres?
Resposta para tapar o sol com a peneira: surge da necessidade empírica de abater tempo (essa coisa inútil cujo abatimento não importa).
Faz sentido.

Nota do autor: o leitor nunca deverá confundir (nem comparar!) o abatimento de tempo na comparação (actividade falaciosa) com o abatimento de tempo no entretenimento do nada

quando os pés da mente arrefecem


introdução...
Como árvores revisitadas pouco mais haveria a dizer. Os dias estragaram-se. Entre sol e chuva espaçados, criaram-se as condições necessárias à enfermidade, disse. Porém, entre sol e chuva, demorou-se tudo quanto bastou para te sorrir. E assim sorriu. Esta é uma história, aconteceu. Aconteceu: molhar os pés, ter frio e fugir em passada larga.
Em inglês diz-se "having cold feet". Pode-se traduzir para português? Resposta: poder, pode - que ninguém vos vem aplicar uma coima, mas não não se pode. As coisas da linguagem também usufruem prejuízos. Para uma mente bilingue (sem confusão com poliglotismo) não há espaço a tradução de fisionomias.
Dizia, portanto, que a mente ficou com os pés frios. Permaneceu assim durante algum tempo, não me apeteceria (acaso soubesse) dizer quanto.
A temperatura não desceu a níveis incomportáveis pois foi possível suspeitar de cada emoção que se apresentou. Não esqueçamos que a história começou quando os pés arrefeceram. Foi num desses momentos que se percebeu que a revisitação das árvores confundiu a ausência de ruídos com a lacuna de defesa. A confusão gerada foi tal que os pés começaram, gradualmente, a aquecer. Imagine-se que se confundiu harmonia com polimento e fundamentalismo com fundamentalismo. Ou seria extremismo com extremismo? Ou talvez tenha sido apenas uma confusão de interesse menor - o aviso estava afixado "a confusão gerada foi tal...".

algum tempo depois...

Ah, a memória recuperada: a confusão era afinal gerada pelos fanatismos das vozes e das frases dos si.

conclusão sem desenvolvimento...
Esta história acaba muito cedo porque tudo nos aborrece. Aborrece sobremaneira – que é uma expressão com uma articulação curiosa. É a este modo de se ser deliberadamente criticável que se pode atribuir responsabilidades.
Ora chuvisca, ora soalheira por esta janela adentro, o espírito afadiga-se e utiliza aporcalhadamente expressões. Desde o segundo parágrafo deste texto.

verb to do

sit and talk, raise and walk



O que é que posso fazer quando o corpo pede tréguas mas a cabeça reclama caminho?
re: escrever com dedos cautelosos.

Tenho as práticas amontoadas. Não se querem organizar em carreiras. Mas eu insisto – há que esperar vez. Sou compreensiva das razões por isso não desespero com as urgências. Tenho porém de pôr ordem no edifício. Careço de mais um pouco de coragem que hei-de encantar. Certamente. Hoje peguei numa mão alheia com as minhas mãos e acreditei fazer parte desse corpo. Emaranhei-me em tantos dias que esquecera o desafogo das palavras naturais. Soluço. Receio uma minúscula ninharia que não devo, mas posso. Quando o corpo não estiver cansado, construirei uma checklist segundo normas. Os sprints não devem servir de equívoco, são apenas um ápice para encontrar o dia seguinte. Gosto de sprints. Gosto da circunstância do dia seguinte.

plágio na floresta

Agarrada aos dedos no final do dia escoo em autoplágio. Imagino uma hora inebriada e deixo-me n’O lugar onde tudo se dispersa (a rodos), em redor da verdade. Uso as palavras em contextos fonológicos a esconder a discussão ortográfica. Trocas, omissões, distorções. Registo parêntesis rectos, depois barras. E repito em língua portuguesa a tradução de Deus Ibis Est (yet we never understand for what we’re fighting for*). Luto com a disciplina. Envergonho-me a ser uma mãe fervorosa quando procuro encaminhá-los para outro lugar.
Das memórias que se prendem ao nosso cerne, recordo aquele dia em que, sentada na sala com vista para as árvores, ouvi a mulher a citar o Professor João dos Santos: “Educar é fazer falhar a educação que nos deram.”.
Repare-se que utilizo metáforas. Verdade. Deus. Disciplina. Mãe. Árvores. Filhos.
Assim cheguei próxima do final de um dia acabada sem surpresas. Descanso, claro.
Plágio: Deixo a pele inundada perante incertezas nesta via aérea que é um pesadelo. Eis as minhas dúbias origens. Agora vou emergir não sei onde. Engulo o fim esmagado das extravagâncias fisiológicas e o que sofro – vivo viva - é tão além da penetração. O sol vem húmido de encontro ao reflexo desta treva.
Não anestesio o resto do dia. Subo nua a minha casca que verte seiva enquanto brotam gostares nas extremidades.


Tempos nebulosos #3 de DrGica


* Isobel Campbell with Mark Lanegan (ballad of broken seas, 2005)

actualização em bloco de notas

#1 Sentámo-nos a beber cerveja que servi nas canecas de barro. Queixei-me dos acufenos e inventámos cenários sem modéstia comparados a Woddy Allen. Acho lógico tornar-me hipocondríaca. Para mais que não fazia parte dos meus planos. E como os planos saem sempre furados…
#2 Bem, nem sempre, ripostou cheio de razão após um segundo de silêncio.
Este plano está a sair conforme os ditames dos nossos desejos.
(Pessoalmente, não sei para onde me hei-de virar.)
#3 Arranjei um novo bloco de notas (moleskine®) ao qual me afeiçoei de imediato.
#4 Falta-me arranjar uma caneta. Direi que caneta irei comprar, mas não sem antes sublinhar que não é por influência de Sócrates (o português). Considerando que me podem incomodar os juízos de valor, fica a ressalva. A caneta: uma Parker®, daquelas baratinhas.
#5 Completo o kit de bloco e caneta, avanço. Hoje ainda não porque quero saborear a angústia. Uma pessoa em afeiçoando-se à angústia custa a largar.
#6 Amanhã completarei uma série interminável de projectos. Depois posso ir embora. E vou. Vou mesmo.
#7 Vou embora e não sei se digo para onde.
#8 Quiçá enterrarei mais a cabeça na areia ou, surpresa das surpresas, saio dos armários.
#9 Ainda não decidi para qual das colónias irei: se para a colónia dos que estão cheios de razão e ensinam isso aos outros; ou se para a colónia dos que mostram que os outros não estão cheios de razão e cheios de razão ensinam isso aos outros. Estou sinceramente indecisa.
#10 Pena ainda não ter comprado a caneta, espero não me esquecer de anotar a urgência em tomar esta decisão no meu bloco de notas.
#11 Como vêem, é uma alegria, tantas e tantas coisas para anotar com a minha caneta Parker® no meu bloco de notas moleskine®! Um mundo no meu bloco de notas.
#12 O mundo.
#13 Meta-anotarei os meus pensamentos de pessoa profundamente impressionável e depois lerei vezes sem conta. Em voz alta ou em surdina, consoante o estado de espírito. Já imagino as folhas com aspecto manuseado. O papel encardido do suor das minhas mãos.
#14 Que excitação!
#15 Resta-me decidir se comprarei uma caneta Parker® de tinta azul ou de tinta preta, e sob que ortografia utilizarei a caneta.

Bem-estar. Sensação de conciliação. Comoção.


A minha avó materna foi a última a partir. Sempre se disse que eu, dentre as sete netas, era a mais parecida com a avó. Sendo que eu a considerava uma pessoa dura, assustava-me essa comparação que carregava desde a infância. Viver próximo da minha avó dos 20 aos 24 anos, trouxe-me as provas da beleza dela. Beleza que não era acessível a todos, pelo que poderei dizer que fui privilegiada. Vimo-la partir demasiado cedo, como sempre se vê partir um ente querido. A partida da minha avó materna implicou a ascensão de todos nós na hierarquia familiar. Cada geração passou à instância seguinte.

Há mulheres na minha família materna que parecem ter sido inspiração do filme Volver. O meu avô, falecido há vinte e cinco anos, jaz numa campa que nunca deixou de ter flores frescas. Já me aconteceu chegar ao cemitério e não ter onde colocar as flores que levara de tão cheias as duas jarras. Agora, na mesma campa, jaz a minha avó há quase sete anos.
Sete anos volvidos, uma campa dupla sempre airosa e a casa intacta. A casa intacta. Nem uma teia de aranha, apenas um ligeiro odor a casa encerrada. Cada objecto no respectivo local onde a avó os deixara a última vez que lhes tocara. As molduras com as nossas fotografias, os bibelots, os naperons feitos pela avó. Apenas a ausência de dálias na jarra junto ao telefone.
Sabendo a família que eu precisava urgentemente de cadeiras novas, as minhas tias perguntaram-me se eu queria receber aqui em casa a mobília de sala de jantar dos avós. A resposta foi imediata: sim, claro, muito obrigada por terem pensado em mim. Lá se fez a visita ritual para observação do estado de conservação dos móveis. A tia F. ia dizendo “Se quiseres levar mais alguma coisa, diz, escolhe.”. Chegara o tempo de dar mais um passo no luto dos avós. Cada um contou as histórias de que se lembrou. Derramaram-se algumas lágrimas e disse-se que a vida não deveria ser assim.

No final, trouxe uma carrinha cheia de móveis. Não fazia a mínima ideia de como os iria dispor cá em casa, pois se a casa já estava toda mobilada… mais umas horas de prazer e acabada a distribuição dos móveis pela casa, sentámo-nos a observar os vestígios de avós cá em casa. Já cá moravam: a cómoda dos meus avós paternos, junto com o chapéu dele e o xaile dela; o baú dos avós paternos dele e os paninhos da avó materna, que os continua a enviar a cada visita. Agora, acrescentados a mesa de jantar e as oito cadeiras devidas, as duas poltronas de napa, a mesinha de apoio com tampo marmoreado, os pequenos objectos como o relógio despertador verde-água e a candeia a petróleo, fica a casa completa. Cada objecto parece ter sido concebido a pensar na minha casa. Porém, o que trouxe de mais fantástico não foram os móveis ou os objectos que, de forma melhor ou pior, sobrevivem aos anos sem necessidade de cuidados. No pátio que serve de ligação da casa dos avós com as várias divisões de arrumo, há um espaço específico para as plantas da avó… volvidos sete anos, as plantas da avó mantêm-se vivas, graças aos cuidados da minha tia O.. Esta é uma das coisas que me faz estremecer por dentro. Eu não sabia que as plantas da avó lhe continuavam a sobreviver. Volvidos sete anos! Comoção. Que eu trouxesse as que desejasse. Todas, até, disse a tia F.. Trouxe 3 plantas enormes, duas estão aqui na sala comigo e uma está na varanda. Não existem palavras comuns para descrever esta espécie de sensação de conciliação com a ausência da minha avó ao olhar as plantas que foram criadas, envasadas e regadas por ela.

Bem-estar é: chegar à sala e confirmar que após estas semanas as plantas vingaram da mudança de casa; ver o verde misturado com esta maravilhosa luz da manhã; fazer um galão-margarete (leite aquecido com casca de limão, café tirado com mistura de canela no cachimbo); regar as plantas com um silencioso “bom-dia, '…” e o implícito “tenho saudades tuas”; beber o galão enquanto olho de novo o verde com a luz da manhã e o gato roça as minhas pernas ao som de Cinema de Rodrigo Leão.

... por partes (ou eu queria mesmo era aprender a conduzir uma Sportster)


Neste preciso momento, agora, aqui, é impossível não sentir o descerrar do fracasso. Que dor. Que silêncio sem ser silêncio. Apenas a ventoinha do computador, alguns passos lá fora e telefones que tocam à distância de alguns metros atrás desta porta. O mundo parece estar parado, e é precisamente aí que reside o engano.

Ontem percebi que me considero velha. Não sabia dessa opinião de mim sobre mim. Vi um grupo de 3 jovens motards numa estação de serviço. Lembrei os meus tempos de pendura e dei por mim numa afirmação mental terrível: e eu que sempre quis aprender a conduzir uma Sportster… mais uma coisa que nunca farei. Que horror! Não dei um salto de assombro no banco do expresso porque me resta alguma compostura pública. Que horror. Aos 34 anos 3 meses e 5 dias dou por mim a considerar-me encerrada para coisas que me são ainda possíveis.

(Não me conformo com este fracasso. Irrita-me que aquele sucesso não estivesse nas minhas mãos apenas.)

Não consegui transcrever as passagens do Livro dos Amores Risíveis. Azar. Leiam, é um livro com título certeiro, genial. E malicioso, pois não deixa adivinhar o génio das palavras que contém.

Ontem sofri na viagem de regresso. Tudo começou no momento em que liguei para o terminal a confirmar a hora do expresso e a moça do outro lado da linha se esqueceu de me avisar da hora de encerramento da bilheteira. À chegada ao terminal para o expresso das 21h, verifiquei que a bilheteira estava encerrada, ainda assim parecia haver por ali alguma vida. Pouca, mas alguma. Considerei-me cheia de sorte quando vi chegar um autocarro poucos minutos antes das 21h. Depressa me desenganei quando o motorista me avisou que terminava ali a sua viagem. Ainda me falou acerca do seu cansaço como se eu fora uma das principais responsáveis por tal. Tive oportunidade de lhe perguntar como seria resolvida a questão da aquisição do meu bilhete. Informou-me que “as regras da casa dizem que o motorista é obrigado a levar o passageiro”. Pois bem, muito obrigada, esclarecida senti-me mais tranquila. Entrei na espécie de sala de espera para não ser agredida pelo vento. Passados cerca de 2 minutos, esse mesmo motorista entrou na sala, dirigindo-se ao “quadro da luz” começou um movimento que me levou à audição de clicks sonoros e à percepção de escuridão crescente na sala. Após ter desligado todas as lâmpadas fluorescentes avisou-me “vou fechar a sala”. Saí de novo entregando a minha sensível face ao vento. Encerradas as luzes da espécie de sala de espera e metade das exteriores, o cansado motorista partiu sem me desejar boas noites. Acendi um cigarro. E outro. Eu e muitos metros quadrados de asfalto que compõem o piso do terminal de expressos. Eu e o exercício de esquivo a pensamentos acerca das imensas possibilidades criminosas daquele cenário do qual eu fazia parte física naquele instante. Chegaram pessoas no número de três. Percebi que aguardavam passageiros do autocarro que, esperava eu, me traria de volta a esta cidade que hoje é a minha cidade.

Quando o autocarro finalmente chegou e explanei a minha situação ao motorista tive de arcar com a sua expressão solene de momento de reflexão para decisão acerca do “meu caso”. E a minha revolta mordida nos lábios. Aquele já não era o cenário com iminentes possibilidades criminosas mas o cenário em que alguém se sente poderoso por ter em sua posse de algo que outro deseja. Para poder saborear esse momento de glória, o motorista informou-me convicto de que não me poderia transportar até Coimbra. Deixei de morder a minha revolta e informei-o das “regras da casa”. Por esta altura, o resultado do round margarete-motorista actualizou-se para 1-1. Telefonou, ou fingiu telefonar, para uma autoridade nas “regras da casa” e informou-me “Oh dona, eu levo-a mas se a polícia me mandar parar sou eu que me lixo. E tem de me dar uma caução ou o seu bilhete de identidade porque há pessoas que chegam ao destino e depois fogem para não pagar lá o bilhete.”.
O que é que eu fiz? Calei-me, claro. E dei-lhe 10 euros para a mão. Se calhar, pensavam que lhe daria a hipótese de trocar palavras comigo… no way, José! O gostinho de lhe dizer o que penso dele tem menos peso do que a minha protecção – o direito de poder interromper a comunicação o quanto antes.

Assim cheguei a esta bela cidade e assim tive de ouvir o taxista acerca das misérias que se vêm na noite de Coimbra. Estou cansada.

Estando cansada é mais do que evidente que fui premiada com uma insónia daquelas. Como tenho a mania de que sou esperta, lutei contra a insónia. Tristemente cómica. Não me levantei, não fui esfumaçar, não fui fazer outro chá, não tentei ler mais um pouco, não me liguei à net, não liguei a t.v., não pus um DVD, não ouvi música, não escrevi. Informei a insónia que o meu corpo estava exausto pelo que deveria - pelo menos - ficar em repouso na horizontal, no escuro, no silêncio. Bem feita. A insónia aliou-se ao inconsciente e tramaram um sonho que consistiu no seguinte - brilhante e singelo - enredo: dormi a noite inteira meio-enterrada numa cavidade existente no meu colchão com o formato do meu corpo e moldado para que eu tivesse de dormir limitada a uma posição apenas.
Assim, dormi na posição em que adormeci sem conseguir aliviar o corpo até de manhã. Padecendo com as dores associadas à manutenção de posturas demasiado prolongadas, este singelo enredo teve o momento alto no final: acordo com escaras no corpo.

Eis que chegamos a mais uma Sexta-feira e regresso à estranha ideia de liberdade. Porém, esta liberdade será curta, tenho demasiado trabalho para adiantar. (Digo adiantar para não sentir com tanta dureza a realidade do atraso que já levo.)

Chegada esta Sexta-feira, vejo alguém desistir imprudentemente de algo e não tenho como agir sobre tal. O fracasso. Estando eu indirectamente implicada, reflicto sobre o assunto como se fora a principal responsável. Típico. Boooring. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Enfim. Siga.

Ontem à noite, quando regressava a esta bela cidade, ouvi Quinteto Tati e essa maravilha que é o Exílio. Depois ouvi Anywhen. Escrevia mentalmente numa aceleração que certamente mantinha a minha adrenalina bastante ocupada. Fui feliz. Pensei na quantidade de texto que escrevo apenas para mim e na relação que esse facto tem com a issue - não querer falar de publicações. Estava feliz. Escrevi tanto para mim. E não anotei num papel ou sequer gravei. Nem por isso sinto que se tenha perdido algo. Estava feliz na plenitude de ter ao meu alcance dois dos álbuns que melhor conhecem as minhas entranhas e a capacidade intacta de linguagem. Antes de adormecer, li mais um fragmento do Singer e pensei: na Sandra e em saudades; na Ana Cristina Leonardo e lembrei o livro que quero ler com o B.; na Dra. F. e na “gestão de más notícias”. Acedi na minha memória a copiosas reflexões que estão em aberto. Voltei ao efeito “A Estrada” e senti. Senti sem censura.

Despedi-me. Até amanhã. Quisera e cá cheguei. Trago comigo o texto do comprimento do meu cabelo, o desenvolvimento da viagem de táxi, as aventuras da aprendizagem de condução da Sportster, o relato do fracasso, a morte do Sr.E., a esposa do Sr.A., o luto familiar pelo velho Mercedes, as colegas das salas contíguas, uma imensidão de textos e a ausência de lamentos por não ter exclusividade de tempo para a escrita dos mesmos. Ontem sofri na viagem de regresso. E fui feliz. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Sou a pessoa que mais me entretém.

Hoje o meu abdómen é um nó e eu sei como viver com ele.

'A


bom fim-de-semana, gentes...

a tribo e a vala comum

Os nossos dias, aproveitamo-los na morbidez das falas alheias,
esgotamos frequências cuja utilidade não nos cabe discriminar.
Recolhemos ecos desordenados. Demarcamos gavetas p’ra depois

amalgamar em toadas discernidas. Os dias, os mal moídos,
acarretam ricochetes atordoadores das nossas vozes. Ao início

das casas saem corpos com cachola. Atrás do entardecer
nos edifício entranham-se As coisas, em rastejos andróides.
Disformes amassos de linguagens .defuntos .abrimo-nos mutismo.

[ moagem da cachola nos dias úteis - em 1ª pessoa, mas agora do plural]




The Quintet of the Silent, de Bill Viola
2000
Color video on plasma display mounted horizontally on wall

manda embora os dias, por favor

[ quando o mar és tu. Apenas tu. ]

A música devolve-te
neste modo de respirar,
quando canto,
quando não te alcanço os lábios.

O silêncio arrecada-me
neste modo de respirar,
quando nado,
quando o mar és tu. Apenas tu.

Recado

O silêncio arrecada-me assim,
quando sem que saibas
a maré me devolve a ti
e tudo recomeça nos teus braços.

[ na delonga da devolução ]

Ardem no sal os meus membros
enquanto a devolução espera
o prazo dos sujeitos desalmados
manda embora os dias, por favor

quero nadar sem dor
quando nado
quando o mar és tu. Apenas tu.

Post-Scriptum

Se não vieres
manda embora os dias, por favor
rasga as águas.

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sem título, Carlos Veríssimo

sequência de desgarrada entre mim e a Marta (se quiserem saber quem escreveu o quê, está ali)

botânica

Durante 1 ano, mais coisa menos coisa, escrevi textos que se assemelham a poemas. Devo dizer que penso que não eram más imitações, fingiam bastante bem. E digo mais: muitos leigos podem ter acreditado que estavam a ler poemas. Cada qual tem aquilo que merece. Não é difícil escrever uma imitação de poema. Houve vezes em que senti aproximações de calafrio. Não sou insensível como uma besta embora pese que na grande maioria das horas sou insensível q.b.. Dizia sobre os calafrios que por vezes senti, enfim não se pode dizer que me envergonho, mas também não me orgulho. Sem mais rodeios, confesso que houve dias em que senti desconcerto por estar a usar palavras, digamos… nobres, em imitações de poemas. Está dito. Agradeço que não vá alguém incorrer no erro de pensar que esta confissão seja uma declaração de sensibilidade ou, pior, de respeito. Adiante.
Engendrei uma fórmula, que jamais tornarei pública, para que me caiam as mãos e queimem os olhos se eu voltar a usar as palavras sono cozinha tremocilha pássaro pele fome cerejeira magnólia amendoeira palavra tu verde água pão mãe corda terra filho filha filhas filhos silêncio pomar corda mãos útero cama raiz árvore árvore árvore em imitações de poemas.
Eu tinha obrigação de não ludibriar as pessoas. Atenção, não é uma obrigação qualquer, é obrigação profissional. Fui treinada em Linguagem. E ficam a saber que frequentei uma escola prestigiada. Ah pois!
Imagino o que diriam alguns dos meus professores se soubessem desta vida dupla que levo com as palavras. Tenho saudades deles. Já agora, aproveito este momento para dizer que nunca concordei com a troça que faziam da professora E. nas aulas de Linguística. Sempre me deliciei à volta das árvores de palavras que ela desenhava no quadro.

Repare-se na expressão: .á r v o r e. .de. .p a l a v r a s.. Notável. Absolutamente notável.

Rigor: Uma pessoa que se comova com árvores de palavras deve ter mais acatamento.

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Árvore de outono com brincos de princesa
de Egon Schiele
1909




Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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