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Hoje não leio mais



É sempre assim, volto atrás.
Penso-me já preparada para recolher e regresso.

À hora de almoço roguei uma praga, disse-me para dentro: se alguém pedir licença para sentar a meu lado, vai ouvir as verdades.
Assim aconteceu. Não que seja vulgar alguém sentar-se a meu lado, mas não, não é comum. Não fora eu tão distraída entre o início e o final do almoço no refeitório e poderia pensar ser non grata. Adiante.
Aconteceu então alguém pedir licença e aconteceu eu não a recusar. A início hesitei dizer-lhe as verdades, hoje calhou-me uma colega das que gosto. Para não perder coragem disse de rajada “não está certo, eu não deveria estar aqui”. Não está certo. A colega, indulgente, acenou e ainda acrescentou que sabe. Pasmei do desplante. Não perdi tempo a falar-lhe dos socos nem disse “isto não deveria ter sido assim” nem rematei com a questão “quem se julgou no direito?”. Tudo inútil. Acabei o almoço sem comer a fruta (laranja) que coloquei no saquinho de papel dos talheres e trouxe no bolso. Fiz com que o resto da tarde corresse. Despeguei e fui para a paragem. Apanhei um autocarro de número diferente do habitual, o que significa que fiz um percurso diferente do habitual. (para quem não saiba)
Nunca leio nos transportes, nunca leio na rua. Observo. Paro, não leio. Saquei o livro após pedir licença para me sentar ao lado daquela senhora. Li isto no autocarro:


Era mais forte e venceu.
«Sabes, meu rapaz, os fortes
ganham, vencem, ficam
com mais», sabes, ontem
pôs-se o sol, ambos-os-dois

ficámos a tentar que corresse
bem o sexo útil. Pode ser
aqui ou nas selvas, junto
do mar, nada tens que recear.
Não é sempre novo o corpo

que te toca e, se pesado
e distante, ama-se a ele tanto
como se próximo e leve.
A alma? Fica na serra,
que vá o corpo atrás dela.

Tiro da erva o sabor,
plantada no meu jardim
e trato bem dos meus cães
qual criador de cães. O amor?
Está sempre em guerra.


Helder Moura Pereira in amor carnalis
ed frenesi, 1998

Encerrei o livro que não arrumei, segurei-o com suor. Estava calor. Não li, no transporte, na rua, observei, parei, mas não li mais.

Repito três vezes: Hoje não leio mais; Hoje não leio mais; Hoje não leio mais («Sei muito bem, disse ele, que me não podes auxiliar em nada, mas abro-me contigo porque para os falhados e inúteis da minha espécie, a salvação está em desabafar. Sou obrigado a procurar uma explicação e uma justificação da minha vida absurda, nas teorias de outrem, num tipo literário, na ideia de que nós (...) degeneramos...») [Tchékhov (Duelo), Miss Allen n'O regabofe].

Recolho(me).


Como aprender a estar morto, Italo Calvino

O senhor Palomar decide que, de agora em diante, fará como se estivesse morto, para ver como corre o mundo sem ele. Há já algum tempo que se apercebeu de que entre ele e o mundo as coisas já não correm como antigamente; se antes lhe parecia que esperavam ambos alguma coisa um do outro, ele e o mundo, agora já não se lembra do que havia de esperar, de mal ou de bem, nem porque é que este esperar o mantinha numa perpétua agitação ansiosa.
Portanto, agora, o senhor Palomar deveria experimentar uma sensação de alívio, não tendo que continuar a perguntar-se que coisa lhe prepara o mundo, e deveria igualmente sentir o alívio do mundo, o qual já não tem de se preocupar com ele. Mas é exactamente a expectativa de saborear esta calma que torna ansioso o senhor Palomar.
Em suma, estar morto é menos fácil do que perecer. Em primeiro lugar, não se deve confundir o estar morto com o não estar, condição que ocupa também a interminável extensão de tempo que antecede o nascimento, aparentemente simétrica da outra, igualmente ilimitada, que se segue à morte. De facto, antes de nascer fazemos parte das infinitas possibilidades às quais acontecerá, ou não acontecerá, realizarem-se, ao passo que, uma vez mortos, não podemos realizar-nos, nem no passado (ao qual pertencemos agora inteiramente mas sobre o qual já não podemos influir) nem no futuro que, apesar de influenciado por nós, nos permanece vedado. O caso do senhor Palomar é uma realidade mais simples, porquanto a sua capacidade de influir sobre alguma coisa ou sobre alguém foi sempre desprezível; o mundo pode muito bem passar sem ele e ele pode considerar-se morto com toda a tranquilidade, sem sequer alterar os seus hábitos. O problema é a modificação, não aquilo que ele faz, mas sim aquilo que ele é, e mais exactamente aquilo que ele é em relação ao mundo. Dantes, por mundo, ele entendia o mundo mais ele; agora, trata-se dele mais o mundo menos ele.
O mundo menos ele quererá dizer o fim da ansiedade? Um mundo no qual as coisas aconteçam independentemente da sua presença e das suas reacções, seguindo uma sua lei, ou necessidade, ou razão, que não lhe diz respeito? Bate a onda no escolho e escava a rocha, aparece uma outra onda, uma outra, ainda uma outra; quer ele esteja em acção quer não, tudo continua a acontecer. O alívio por estar morto deveria ser este: eliminada aquela mancha de inquietação que é a nossa presença, a única coisa que conta é o desenrolar e o suceder-se das coisas sob o sol, na sua serenidade impassível. Tudo é calma e tende para a calma, até mesmo os furacões, os terramotos, a erupção dos vulcões. Mas não era o mundo já assim quando ele lá estava? Quando cada tempestade trazia em si mesma a paz do depois preparava o momento em que todas as vagas se teriam abatido contra a costa e em que o vento teria esgotado a sua força? Talvez que o estar morto seja passar para o oceano das ondas que permanecem ondas para sempre, sendo portanto inútil esperar que o mar se acalme.
O olhar dos mortos é sempre um tanto ou quanto deprecatório. Lugares, situações, ocasiões são grosso modo aquelas que uma pessoa já conhecia e reconhecê-las traz sempre uma certa satisfação, mas ao mesmo tempo notam-se muitas variações, pequenas ou grandes, as quais, por si só, se poderiam aceitar, se correspondessem a um desenvolvimento lógico e coerente, mas que, muito pelo contrário, surgem como arbitrárias e irregulares, e isto incomoda, sobretudo porque uma pessoa é sempre tentada a intervir, para introduzir aquela correcção que lhe parece necessária, e não o pode fazer porque está morta. Donde uma atitude de relutância, quase de embaraço, mas ao mesmo tempo de suficiência, como a de alguém que sabe que o que conta é a sua própria experiência passada e que a tudo o mais não vale a pena atribuir demasiado peso. Um sentimento dominante não tarda a apresentar-se em seguida, impondo-se sobre todo e qualquer pensamento: é o alívio por se saber que todos os problemas são problemas dos outros, que é tudo lá com eles. Aos mortos já não deveria interessar mais nada de nada, porque já não lhes diz respeito pensar em nada disso; e mesmo que isso possa parecer imoral, é nesta irresponsabilidade que os mortos encontram a sua alegria.
Quanto mais o estado de ânimo do senhor Palomar se aproxima daquele que foi aqui descrito, tanto mais a ideia de estar morto se lhe apresenta como uma ideia natural. É verdade que não encontrou ainda a sublime distanciação que pensava que fosse apanágio dos mortos, nem uma razão que vá além de toda e qualquer explicação, nem a saída para fora dos seus próprios limites, como se sai de um túnel que desemboca noutras dimensões. Há momentos em que tem a ilusão de se ter libertado, pelo menos, da impaciência que toda a vida o acompanhou, quando vê os outros errarem em todas as coisas que fazem e pensa que, no lugar deles, também teria errado não menos do que eles, mas que apesar de tudo teria dado por isso. Mas, afinal, de modo algum se conseguiu libertar, e percebe que a impaciência motivada pelos seus erros e pelos erros dos outros se perpetuará juntamente com os próprios erros, que nenhuma morte pode cancelar. Mais vale portanto habituar-se à ideia: para Palomar, estar morto, significa habituar-se à desilusão de se sentir igual a si próprio, num estado definitivo que já não pode esperar modificar.
Palomar não subavalia as vantagens que a condição do vivo pode ter sobre a condição do morto, não no sentido do futuro, onde os riscos são sempre muito fortes e os benefícios podem ser de curta duração, mas sim no sentido da possibilidade de melhorar a forma do nosso próprio passado. (A não ser que uma pessoa esteja já plenamente satisfeita com o seu próprio passado, caso esse que é demasiadamente pouco interessante para que mereça a pena ocuparmo-nos dele). A vida de uma pessoa consiste num conjunto de acontecimentos no qual o último poderia mesmo mudar o sentido de todo o conjunto, não porque conte mais do que os precedentes mas porque, uma vez incluídos na vida, os acontecimentos dispõem-se segundo uma ordem que não é cronológica mas que corresponde a uma arquitectura interna. Uma pessoa, por exemplo, lê na idade madura um livro importante para ela, que a faz dizer: «Como podia viver sem o ter lido!» e ainda: «Que pena não o ter lido quando era jovem!». Pois bem, estas afirmações não fazem muito sentido, sobretudo a segunda, porque a partir do momento em que ela leu aquele livro, a sua vida torna-se a vida de uma pessoa que leu aquele livro, e pouco importa que o tenha lido cedo ou tarde, porque até a vida que precede a leitura assume agora uma forma marcada por aquela leitura.
Este é o passo mais difícil para quem aprende a estar morto: convencer-se de que a sua própria vida é um conjunto fechado, todo no passado, ao qual não se pode juntar nada, nem introduzir modificações de perspectiva na relação entre os vários elementos. É certo que os que continuam vivos podem, com base nas modificações por eles vividas, introduzir modificações inclusive na vida dos mortos, dando forma àquilo que a não tinha ou que parecia ter uma forma rebelde naquele que tinha sido vituperado pelos seus actos contra a lei, celebrando um poeta ou um profeta naquele que se tinha visto condenar à neurose ou ao delírio. Mas são modificações que contam sobretudo para os vivos. Eles, os mortos, dificilmente tiram delas qualquer proveito. Cada um é feito daquilo que viveu e do modo como o viveu, e isto ninguém lho pode tirar. Quem viveu sofrendo, fica feito pelo seu sofrimento; se pretendem tirar-lho, deixa de ser ele.
(…)
E assim, de adiamento em adiamento, chega-se ao momento em que será o tempo a gastar-se e a extinguir-se num céu vazio, quando o último suporte material da memória do viver se tiver degradado numa labareda de calor, ou tiver cristalizado os seus átomos no gelo de uma ordem imóvel.
«Se o tempo tem de se acabar, podemos descrevê-lo, instante a instante — pensa Palomar — e cada instante, ao ser descrito, dilata-se tanto que deixa de se lhe ver o fim.» Decide que se vai pôr a descrever cada instante da sua vida e que, enquanto não os tiver descrito a todos, deixará de pensar que está morto. Naquele momento morre.

in Palomar
tradução de João Reis
estórias, editorial teorema
1985

texto lido, partilhado pela e para a Marta

Hans e a mão direita, Manuel de Castro

Para a Luiza

I
É um sabor a tabaco e amargura, uma estranha lucidez, idêntica à que nos acomete após violenta e prolongada bebedeira.
Falo por experiência própria, como dizem as pessoas falsamente decididas a tudo. É um sabor a tabaco, amargura e perplexidade, este que me acomete cada vez que posso desorientar o destino, isto é, dar-lhe uma direcção, desconhecida, sim, mas diferente da que aparentemente me estava marcada. Falo por experiência própria e explico: Flores? Porquê?
Um dia dizes: "esta é a minha mão direita". E noutro dia um imprevisto, um acidente, uma escaramuça em que alguém acaba por pensar que ganhou aquilo que fica a pensar que ganhou, ou nem escaramuça ou sequer acidente, apenas um inexplicável desaparecimento, te impede de repetir: "esta é a minha mão direita". Ou a mão já não está (decepada, queimada), ou tu não distingues (louco, sem memória), ou morreste (acontece, acontece) ou então é ainda um caso policial de fadas, de ilusão.
Eu digo, por exemplo: "O Hans". Hans é assim a pessoa "a quem se fala". Ou digo: "O Hans". O Hans é a pessoa "de quem se fala". Mas se digo: "Ó Hans, estás cada vez mais pálido" tu, Hans, és a pessoa "de quem e a quem se fala". Contudo, se respondes: "sim ou não, eu, Hans", tu és a pessoa "que e de quem se fala". Repito: "a pessoa que fala e de quem se fala". Como vês, não é assim tão difícil evitar malentendidos. Difícil é o deserto. Difícil é viver com a mão estendida, sempre mais estendida, e não encontrar outra pele, ou apenas o desgosto doutra pele. Eu explico: O Desejo?
Falo por experiência própria, isto é, falo por falar e porque me encontro nesta situação, melhor, na articulação desesperada desta situação deslocada.
Tu, senhora, que me amas e entendes, tu, a quem não repugno pois que, ao ver-me. Ao verme, nem as vísceras (as minhas) imaginas, tu, senhora, és o meu desejo, o cigarro, digo. Eu explico: A epiderme? A carícia?
Ternura, é o que peço. Mas permanente, atenta, pantufas, tépida. Sorrisos e reverências. Histórias, cantos, murmúrios, em que se incluam as palavras "amor" "sempre" e em que se fale de recomplicadas paixões, de corpos frenéticos, de rosas, de primaveras. E explico: A Loucura? A Fantasia?
II
Poder dizer: esta é a minha mão direita, a mão que me serve para comer, para outras coisas, para triturar as moedas de forte metal que me são oferecidas pelos amigos. Todavia não era paixão ou desejo de poder que devorava o meu corpo. Mas uma intensa curiosidade e o vício. Falo do vício falando da morte. Se mergulho numa forma repugnante de vida é apenas porque desconheço o meu destino. Quero um véu que me cubra a lucidez e assim me torne feliz. Para quê o cintilar de lantejoulas à flor da pele? E o brilho? E o novo corpo erguido numa inútil cópia de elegância? Os fados são fátuos e o orgulho é o cilindro vagaroso que digere o meu carácter.
Tu falavas do amor, Hans, e o teu olhar claro e inseguro transmitia-me um pavor inexplicável, mórbido. Apesar de tudo houve entre nós um encontro. Mas tu procuravas em mim alguém que provisoriamente partia para uma viagem rápida e fantasista. E dos teus olhos recebia a serena inocência dos loucos e dos assassinos. Foi um acontecimento em que pouco trocámos excepto a breve necessidade de defesa contra a morte - minha verdadeira amante, nítido final, desejo permanente.
É desta forma e não outra que satisfaço o vício.
De novo te falarei, Hans, com a doce suavidade dos epilépticos recuperados.
Não te movas.
III
Participo-te que me transferi para a Bebedeira Central e que podes encontrar-me em qualquer dia em qualquer parte. Que nada do que vivemos ou desejamos tem importância se não nos dermos a ilusão de vida e importância que devemos tratar como um jogo entre ladrões. Quem dá o que tem, a mais não é obrigado. Resta saber qual de nós recebe ou dá, deseja dar ou receber. Por mim, já ensaboei a vida com todas as coisas belamente empacotadas que os americanos oferecem, e nem por isso a vejo mais limpa ou agradável. Faço parte dos homens que se recusam, isto é, que não se aceitam, o que causa tremendas dificuldades no tráfego, quando obrigatoriamente há que perguntar ao revisor "onde fica a Estrela", "quanto custa", "quando, mas exactamente quando, devo descer?".
Bem vês: é preciso conhecer os nomes das ruas, das cidades, das pessoas, dos países, e tudo esquecer e relembrar de novo se queremos ser, amar, perder, reencontrar e difícil mas aceitavelmente morrer.
Ave et vale.
P.S. Por este mesmo correio envio-te algumas coisas de conserva; nada mais me é possível. Mesmo assim desculpo-me.
IV
Dizer: "esta é a minha mão direita" e morrer com essa convicção, aceitando como boas todas as provas da existência de Deus. Dizer: "esta é a mão que acaricia os objectos" sem que qualquer protesto se faça ouvir; e caminhar cega, incansavelmente, para a destruição, sem um sorriso nem medo. Receber os ruídos e a existência como quem prossegue uma posição social na vida. Esta é a possibilidade de redenção pois que não existe outra forma de redenção senão para o corpo e este não discute.
Se jogamos as cartas (ou outro jogo sem cartas) deixo-te ganhar para não fazer minha a tua preocupação. Isto porque não sou bruto como a maioria dos que se chamam espécie humana, mas apenas pouco feliz.
Disse e repito: o destino assiste impávido a todos os desastres. E o que não disse, invento: os desastres alimentam convulsivamente todos os destinos. O que não há é gente para dar por isso, como dizia o outro. Assim passamos, uns pelos outros, algumas vezes uns com os outros, com bolsos para serem roubados ou para serem poupados.
Podes permanecer deitado, de pé ou sentado mas jamais para teu agrado: unicamente para não alterar uma posição que já está e não vale a pena modificar.
Vejo-te com os olhos normais que usamos neste tempo e defendes-te muito bem, o que não era preciso mas não importa.
Se não saio da jaula é porque as feras andam lá fora. Creio que não lhes observaste atentamente a dentuça quando te sentes compelido a dizer-lhes: "bom dia"; e te respondem. Das feras há pouco bem ou mal a considerar. Esperemos somente que se devorem e nos devorem sem grande música de mandíbulas e ossos.
Nunca me "porei no teu lugar" para pensar porque não tenho nada com isso. Se alguém me afagar os cornos nunca ouvirá (jamais, jamais) um sincero "muito obrigado". Poderá ouvir estas palavras insinceramente ditas muitas vezes e o efeito será o mesmo. Porém a verdade aproximada de que tomo nota é esta: não estender uma só vez o pescoço para o beijo das feras. Se andas por aqui sem o teres pedido, isso constitui já trabalho suficiente para não o encheres de coisas simples que o complicarão ainda mais. E nada mais simples que os beijos que se dão ou recebem; todos os dias vemos gente morrer disso nas situações do costume, isto é, quando o operário põe a máquina a funcionar, quando o patrão não recebeu uma boa encomenda (de automóveis, de chocolates, de ciências aplicadas), quando se dorme ou se está desperto, quando se come ou o contrário, quando para cima e para baixo e para os lados fazemos filhos. Até agora é o que tenho a dizer.
V
A última vez que te encontrei foi diante do Banco Qualquer Coisa. Verificavas o preço das acções. Elas baixaram, não há dúvida. Talvez isso prejudique o teu futuro na América e até mesmo a tua actual capacidade para os estudos. És fraco e não podes impedi-lo. Se fosses resoluto poderias ordenar a um dos responsáveis: "sobe-me essas acções, badameco!"
Não confio já nos santos ou nos poetas e muito menos nos heróis.
Tudo é agora uma questão de mais ou menos brutalidade, de maior ou menor capacidade de matar. Impunemente - é preferível.
As acções baixam - não há dúvida.
VI
Fumo cigarro atrás de cigarro para preencher a vida. É a náusea de quem entende inútil a inteligência. Hoje neva e tenho o coração repleto de nicotina nos dois sentidos literais da expressão. O tempo vai passar (é indubitável) mas entretanto esgota-me este esforço de espera. Quando partir para nova viagem de novo errada talvez (Ó Esperança) possa levar comigo o perfume de tudo o que amei porque o acreditava possível.
Pergunto-me onde estás, Hans, que fazes, e não encontro resposta para este meu estado de indecisão.
Nós somos o que somos; as comparações, os símbolos que utilizamos para falarmos de nós próprios são necessários apenas porque é com palavras que praticamos a tímida tentativa de entendimento à superfície.
Eis um domínio que me é pouco compreensível.
VII
Dizes: "esta é a minha mão direita". É uma forma de transitar pelas instituições, pelos edifícios públicos e, quando calha, por um carnaval de acidente. Triunfo inglório, que passa desapercebido, cuja importância só existe por (sem que o possas evitar) te situares no centro do mundo.
É preciso particularizar as palavras; quando a palavra NORTE surge não é a palavra ou a direcção norte que constituem o principal, mas sim o lugar em que se está, para aquém, na, e para além da geografia. Assim tu, Hans, és também uma cidade e o seu sentimento. Fechamos o coração por medo: do ridículo, do escândalo, da polícia, do dinheiro, da prisão. Isso é que é ridículo Pensa um pouco: existe hoje um sítio mais pacífico e aprazível do que a cela de uma prisão? E mais livre? - devo acrescentar. Estamos no tempo apocalíptico das Bestas, não o esqueças. Bestas de metal e de carne que não sossegam, não cansam e tudo destroem à sua passagem. É o fulano que mais percebe de máquinas de lavar papel de seda e cargas para isqueiros a petróleo, e a sicrana que não percebe, realmente não percebe, como se pode viver em tal sujidade; da moral e da outra.
Inútil, inútil: nem a mão aberta ou o chicote, nem o sacrifício ou o combate. Nicles. Percebe?
VIII
Só o médico, madame, só o médico para antes da morte. E o médico aí está, desta vez sem bata branca de espantar, com um relógio de pulso em ouro (oferta de um que não morreu tão depressa) e as maxilas em bom estado ainda. Ele dizia-te, Hans:
- Por favor, madame, tente abrir a sua mão direita.
Mas ela não está, Hans, ela é agora um bólide que gira em torno da terra. Tu respondes:
- Já não tenho mão direita, doutor.
- Nesse caso, madame, se desiste assim tão facilmente, acaba por ficar sem nada.
E tu, resignada:
- Não tem importância. Acontece a toda a gente.
IX
Aqui está a minha mão direita, com a qual aceitei presunto por esmola, com a qual acariciei o sexo de quem me deixou, paguei o pão excepto nos dias em que não o comi ou me foi oferecido. Ela nasce de um certo tamanho, depois cresce, por fim decresce.
Um falus, simplesmente mais lento.
A expressão "estás sempre a meter o nariz em toda a parte" não pode ser substituída por "estás sempre a meter a mão em toda a parte" porque esta segunda é evidentemente obscena, ou pelo menos as leis o dizem e há que pagá-las.
X
Não falemos de política, Hans, não falemos de política.
XI
Colocas a tua mão direita sobre o coração ao adormecer e regularizas deste modo o incómodo do tempo em que estiveste acordado, do tempo que houve que preencher com o absurdo quotidiano. Essa mão direita é uma aranha pacífica e atenta que ganhou também o seu repouso e um sonho que não é possível controlar nem situar na caótica convulsão do universo que a cada um pertence.
Dormes. E enquanto lutas com um grupo de bandidos num Rio de Janeiro onde nunca estiveste, enquanto assistes à passagem de semblantes luminosos de gente que deve ter morrido há muito tempo, ou enquanto sorris internamente perante uma história que existe no outro lado da realidade, a tua mão continua a arder, independente, na lenta combustão que a tornará lívida, inerte, dura e terrível, no transitório momento que separa a vida do apodrecimento. O sonho é apenas uma outra forma da realidade e talvez (quem o sabe?) a morte o seja também. Porém o que definitivamente se transforma é a tua mão direita, essa peça que tão descuidadamente transportas, como se fosse um direito absoluto a posse desse extravagante objecto, como se a memória te impedisse de observar o monstruoso teatro que ela, a mão, executa durante aquilo a que chamamos tempo. As unhas. Os dedos. As articulações. E algo ainda. Como aceitar impassível a presença da mão, desse pequeno corpo a cujo movimento não podes assistir atenta, continuamente? Estamos fabricados para as ideias gerais mas nada existe nelas que nos ofereça um pouco de paz, um pouco de certeza no destino de todos e cada um.
Acordas. Eis a tua mão direita que se move numa direcção que lhe é própria, e se te pergunto que fizeste com ela, que tens feito com ela, qual o seu futuro, então entenderás quanto o domínio, a percepção e o controle das diversas realidades te é interdito.


in GRIFO, ANTOLOGIA DE INÉDITOS ORGANIZADA E EDITADA PELOS AUTORES, 1970

Esta antologia, entre outros, contém textos de António José Forte, Ernesto Sampaio, Maria Helena Barreiro, Pedro Oom, Ricarte Dácio e Virgílio Martinho, e dois desenhos de João Rodrigues.

texto lido, partilhado, oferecido pela e para a Marta

(sem ordem específica)

3 obras para ler como se se tratasse de uma trilogia

O Alienista de Machado de Assis
Diário de um Louco de Nikolai Gogol
A morte de Ivan Ilitch de Lev Tolstoi


b'dia!

terna é a noite

comecei a ler, consegui chegar de olhos abertos até cerca da página 30
desde ontem, uma frase repete-se na minha cabeça

se eu fosse terna saberia fazer origami

(colocar este numa série de tipo pensamentos sem nexo)

http://www.sc.edu/fitzgerald/collection/dustjackets/images/tender.gif
não, esta não é a edição quem tenho, mas é a que gostaria de ter
bom fim de semana

Dinâmica de leitura

#1 estado - garganta entupida no silêncio
#2 novidade - marcação de páginas com fins profissionais
#3 consequência - revisitar o medo mal-guardado
#4 confirmação - autor com lugar de primazia na minha biblioteca
#5 gratidão - gratidão
#6 apontar no bloco de notas - requisitar versão em português para transcrição de excertos

A imagem "http://orgs.tamu-commerce.edu/rothsoc/patrimony.jpg" não pode ser mostrada, porque contém erros.

[ A estrada de Cormac McCarthy ] (um livro para se ler em silêncio)

Este é o meu filho, disse. Lavo-lhe o cabelo, sujo com os miolos de um morto. É a tarefa que me cabe. Depois embrulhou-o no cobertor e levou-o até ao fogo.

Sentado, o rapaz titubeava. O homem mantinha-se atento, não fosse ele tombar nas chamas. Com os pés, abriu buracos na areia para as ancas e os ombros do rapaz no ponto onde ele iria dormir e depois sentou-se com ele no regaço enquanto lhe passava os dedos pelos cabelos diante do lume para os secar. Tudo isto como uma qualquer unção imemorial. Assim seja. Evoca as formas. Quando mais nada tens, constrói cerimónias a partir do nada e dá-lhes vida com o teu sopro.


in A Estrada de Cormac McCarthy
tradução de Paulo Faria
Relógio D'Água, Editores
2006

Apocalipse

Novos máximos históricos. Oiço enquanto em paralelo cantarolo "O mestre-sala dos mares" tentando ignorar a minha voz. Oiço ao mesmo tempo que entrego a chave ao funcionário simpático e lhe peço gasóleo sem chumbo '95. Aconteceu em Londres esta tarde, um novo máximo histórico dos danados dos barris que fazem girar o globo. O lusco-fusco finda. Exercito-me, num instante estou dentro do azul de Yves Klein. Esta coisa resume-se quase todos os dias. Por vezes penso que jamais solucionarei a coisa. Quase todos os dias consigo completar o enigma. Hoje, por exemplo, fiz e refiz o quebra-cabeças. Estou cansada, pois. Amanhã marco férias. Amanhã vou à farmácia. Amanhã lavo as mãos. Lavemos as mãos. Estamos rodeados de filhos-da-puta. Este mundo está cheio de muitos os outros. Os inocentes são culpados de outros crimes.
Agora cantarolo "Nobody does it better" (versão Thom Yorke). Tentando ignorar a minha voz. Depois lembro "Into my Arms" e aguardo lágrimas. É o mínimo, chorar. Acho indecente não chorar. Tenho de resolver isto. Praticante do mal-menor estamos todos sós, acérrima defensora de que inocentes são culpados de outros crimes, agora lembro "É mais fácil um camelo…".
Oh - suspiro profundo - céus, mulher, desacelera!
Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro. Rio. Rio a brincar ao contrário de que o inferno são os outros. Rogo para que não contem comigo. Chama-se a isso: o preço.
Estamos sempre a atingir novos máximos. Históricos.

Zach Condon (Beirut) de Tony Nelson
[ canta para mim, toca, dá-me música ]



algumas referências ~ ring-around-a-rosie ~ É mais fácil um camelo ~ O Fugitivo ~ Beirut ~

Maria Gabriela Llansol

1931 ~ 2008



no acknowledge yourself
no insónia
n'Os livros ardem mal
à deriva

sem referências encontradas ao autor da fotografia

Les Uns et les Autres

no sábado vi o documentário na televisão
o rosto dos soldados que interrogaram homens
no Iraque no Afeganistão
o ar crispado de quem não era suposto ser julgado e passar uns tempos na prisão
olhei o Mal o cinismo a ignorância a ignomínia as botas cardadas
a pele exposta sem outro camuflado que não o do medo
as discussões abstractas infames dos generais dos secretários de estado
o gozo primário dos raciocínios do presidente os esgares
aprendi sobre a humanidade de dormir quatro horas ou apenas duas
preso pelos pulsos ser espancado até ao homicídio à exaustão
perguntei-me se dessa morte lenta já terão padecido em número suficiente
olho por olho dente por dente mortos para saciar os profetas do medo
as vozes do apocalise os senhores de todas as guerras
os que hesitaram na resposta à pergunta se seria legítimo
pontapear os testículos do filho de um homem
a quem se quer extorquir uma qualquer informação
será que já são tantos quantos os que arderam nas torres gémeas
tantos quantos os que morrem pelas ruas de Bagdad
tantos quantos os rockets sobre as praias de Israel e de Gaza
será que já chegam será que não
será que serei capaz de me levantar da náusea que me asfixia
lavar-me do nojo
será que serei capaz de descobrir a cara
de remover este véu de vergonha
será que não.

Blue aka Cláudia Santos Silva


fotograma de Les Uns et les Autres
momento em que se anuncia o início da 2ªGuerra Mundial

(the last but not the least)

este bando selecto de 77 000 000 000 de idiotas de primeira apanha

Sorvendo a borra da sua própria chávena, Sabbath levantou finalmente o olhar do submerso erro crasso que era o seu passado. Por acaso o presente também estava em curso, construído dia e noite como os navio-transporte de tropas em Perth Amboy durante a guerra, o venerável presente que recua até à Antiguidade e prossegue a direito da Renascença até hoje – era a esse presente sempre-a-começar e interminável que Sabbath renunciava. Acha repugnante a sua inexauribilidade. Só por isso devia morrer. E depois, que importa que tenha levado uma vida estúpida? Qualquer pessoa com alguma inteligência sabe que está a levar uma vida estúpida mesmo enquanto está a levá-la. Qualquer pessoa com alguma inteligência compreende que está destinada a levar uma vida estúpida porque não há outra espécie de vida. Não existe nada de pessoal nisso. No entanto, lágrimas infantis marejam os seus olhos quando Mickey Sabbath – sim o Mickey Sabbath, daquele bando selecto de setenta e sete mil milhões de idiotas de primeira apanha que constituem a história humana – diz adeus à sua unicidade com um meio entaramelado e profundamente dolorido «Quem liga a mínima?».

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


fotografia de cj aka Monsieur Bonirre in pescada nº5

(curtas de Mickey Sabbath)

Imaginem então a história do mundo. Somos desmesurados porque a dor é desmesurada, tantas centenas e milhares de géneros de dor.


in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

dilúvio de sentimento genuíno

(…) e Sabbath deitou-se sobre a campa e soluçou como não tinha podido fazer no funeral.

Agora que ela desaparecera para sempre parecia-lhe incrível que, nem mesmo quando tinha sido o amante muito louco e enrabichado, antes de Drenka se ter tornado um absorvente passatempo para se divertir com ela, foder com ela, conspirar e tramar com ela, parecia-lhe incrível que nem mesmo então tivesse pensado em trocar a torturante chatice de uma Roseanna alcoólica e assexuada para casar com alguém cuja afinidade com ele não tinha paralelo com a de qualquer outra que conhecera fora de um bordel. Uma mulher convencional capaz de fazer tudo. Uma mulher respeitável suficientemente guerreira para contrapor à dele a sua audácia. (...) E ele nunca fizera a mínima ideia disso. Nunca, em treze anos, se cansara de olhar pela sua blusa abaixo ou pela sua saia acima, e mesmo assim nunca fizera a mínima ideia!
Agora esse pensamento arrasou-o. Ninguém acreditaria que o escandaloso conspurcador da cidade, o porcalhão do Sabbath, fosse capaz de um tal dilúvio de sentimento genuíno.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

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fotografia de Salamandrine aka Sandra Ferrás



(curtas de Mickey Sabbath)

Porra, acontecia sempre alguma coisa para levar as pessoas a continuarem a viver!

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

A fronteira

«Mais», rogara, «mais», mas por fim ele caiu para trás com uma colossal dor de cabeça e disse-lhe que não podia continuar a arriscar a vida. Tinha-se sentado pesadamente, pálido, a transpirar e ofegante, enquanto ela prosseguia sozinha a sua demanda. Nunca tinha visto nada assim. É como se estivesse a lutar contra o Destino, ou com Deus, ou com a Morte, pensara; como se, se conseguir ultrapassar mais uma, nada nem ninguém a possa deter de novo. Parecia encontrar-se numa espécie de estado de transição entre mulher e deusa e ele teve a estranha sensação de ver alguém a deixar este mundo. Ela estava prestes a elevar-se, a elevar-se mais e mais, tremendo eternamente no supremo frémito delirante, mas em vez disso alguma coisa a deteve e um ano depois estava morta.


in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000



Dead Girl de Egon Schiele
1910

(curtas de Mickey Sabbath)

Não, a vida humana não pode ser extinta. Ninguém seria capaz de inventar nada parecido, outra vez.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

entretenimento

Eram inumeráveis todos os grandes pensamentos que não entendera; o que ele não tinha para dizer acerca do significado da sua vida era um poço sem fundo. E uma coisa divertida é supérflua – o suicídio é divertido. Não são muitos os que têm consciência disso. Não é instigado pelo desespero ou pela vingança, não nasce da loucura, ou da amargura, ou da humilhação, não é um homicídio camuflado ou uma demonstração grandiosa de auto-abominação: é o retoque final da anedota em voga. Ele considerar-se-ia um falhado ainda maior se se apagasse de qualquer outro modo. Para alguém que adora uma piada, o suicídio é indispensável. Para um fantocheiro, especialmente, não há nada mais natural; desaparecer atrás do biombo, enfiar a mão e, em vez de actuar como ele próprio, acabar como o fantoche. Pensem nisso. Não há nenhuma outra maneira mais absolutamente divertida de partir. Um homem que quer morrer. Um ser vivo que escolhe a morte. Isso é entretenimento.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


Attempted suicide machine de Makato Aida
2001

(curtas de Mickey Sabbath)

A incapacidade de morrer. Ir ficando, em vez disso. Este pensamento excitou intensamente Sabbath: a perversa insensatez de permanecer, de não ir.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

Mickey Sabbath, esse schmuck colossal

As parvoíces em que temos de nos meter para chegarmos onde temos de chegar, a extensão dos erros que precisamos de fazer! Se nos informassem antecipadamente de todos os erros, diríamos não, não posso fazer isso, têm de arranjar outro qualquer, eu sou demasiado esperto para fazer essas asneiras. E responder-nos-iam, nós temos confiança, não te preocupes, e nós responderíamos não, nada feito, precisam de um schmuck muito maior do que eu, mas eles repetiriam que têm confiança que somos a pessoa indicada, de que evoluiremos para um schmuck colossal mais conscienciosamente do que podemos começar sequer a imaginar, de que cometeremos os erros numa escala que nem podemos sonhar agora: porque não existe nenhuma outra maneira de atingir o fim.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


imagem: still dessa maravilha da natureza que é o Johnny Deep no filme Dead Man de Jim Jarmusch... memória reavivada n'A Natureza do Mal

(curtas de Mickey Sabbath)

E não era capaz de o fazer. Não podia morrer, porra. Como podia partir? Como podia ir-se embora? Tudo quanto odiava estava ali.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000




Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.

Alberto Carneiro
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